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Repetência é coisa de pobre


Artigo de Gilberto Dimenstein na Folha de S.Paulo 18/04/2004

Repetência de aluno abastado é exceção; repetência de aluno pobre é regra.
Basta ver a relação entre série e idade para constatar que apenas uma minoria -aliás, ínfima- dos estudantes de maior poder aquisitivo passa pela dolorosa experiência da reprovação, obrigados a ficar, humilhados, numa sala de aula com crianças ou adolescentes menores.
Se o presidente Lula tivesse o cuidado de entender a razão dessa diferença escolar, provavelmente ficaria envergonhado de sair atacando, como fez na quinta-feira, o sistema de ciclos do ensino fundamental -aliás, uma idéia inovadora introduzida no país pelo PT, mais precisamente quando Luíza Erundina, assessorada por Paulo Freire, era prefeita de São Paulo. "Podemos estar formando analfabetos dentro da sala de aula", atacou Lula, referindo-se ao que chamou de um "erro histórico".
Só não classifico essas críticas apenas de desinformadas porque, durante as eleições, o PT tinha em mãos pesquisas de opinião que mostravam que bater nesse assunto rende aplausos entre muitos pais e professores. Portanto, a colocação do presidente é resultado de uma perigosa confluência de marketing rasteiro com desconhecimento de educação.

Os mais ricos, senhor presidente, já são submetidos, em essência, à progressão automática. É fácil entender.
Que acontece quando o estudante de uma escola de qualidade apresenta problemas de aprendizado ou de comportamento? Os pais são chamados pela coordenação pedagógica e informados, em detalhes, sobre a vulnerabilidade de seu filho. Discute-se, então, o que fazer para tentar sanar as deficiências.
Se a escola não consegue enfrentar as fragilidades do aluno, recomendam-se professores particulares, psicólogos e psicopedagogos. Mesmo que tais recursos não funcionem muito bem, o estudante, desde que demonstre algum progresso, não é retido, na esperança de que, devidamente apoiado, consiga prosperar, tapando lentamente os buracos.
Mas, quando, apesar de todos os esforços, não há evolução, o pior é evitado com uma discreta sugestão para que o aluno mude de escola -talvez em outro ambiente, com diferentes métodos e novos ares, ele venha a encontrar estímulos.

Tanta cautela é tomada pelo simples motivo de que a repetência é, na imensa maioria das vezes, um trauma absolutamente antieducativo. Abate a auto-estima; é uma trava na relação do indivíduo com o aprendizado.
Quando se trouxe para o país o sistema de ciclos, o que se pretendeu foi dar aos mais pobres os mesmos benefícios assegurados aos mais ricos -o de não serem massacrados psicologicamente. Depois de tanto ser reprovado, o estudante sentia-se burro e, envergonhado, ia para a rua e entrava no círculo vicioso da marginalidade. Esses jovens são candidatos a engrossar estatísticas como as divulgadas na semana passada pelo IBGE, segundo as quais, em 20 anos, 600 mil pessoas foram assassinadas.

O sistema de ciclos, ao contrário do que muitos pensam, exige uma avaliação ainda mais rigorosa e atenta; os testes devem ser analisados e as reparações devem ser feitas imediatamente. Os educadores devem melhorar para que o aluno também melhore. E aqui está o problema: a regra são as deficiências, ou seja, salas cheias, professores com baixos salários, pouca qualificação e pesadas cargas horárias, laboratórios e bibliotecas defasados. Em muitos lugares, violência.
O professor é massacrado e vê na ameaça da repetência um mecanismo disciplinar. É a vítima fazendo vítimas.
Sem bons diretores, não existem boas escolas. O bom gestor é um empreendedor social, capaz de motivar os professores, a família e a comunidade, estabelecendo parcerias. Não há programas de qualidade para a formação de diretores que os tornem habilitados a lidar com os desafios da educação contemporânea.

A repetência é o sinal trocado. Invertem-se as responsabilidades. O problema não é do sistema que não educa direto, mas do aluno que não aprende. Essa visão é inútil -afinal, repetir não significa aprender, pelo contrário- e, sobretudo, perversa: a vítima da escola ruim torna-se vilão de seu fracasso.


Folha de São Paulo

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