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Quinta-Feira , 01 de Maio de 2025
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Por que adultos tomam o espaço da criança


Artigo de Rosely Sayão na Folha de S.Paulo 29/04/2004

Rua é lugar para criança? Bem, no mundo atual, o espaço público não tem sido nada amigável, tampouco acolhedor para elas. Brincadeiras com pares, jogos, andar de bicicleta ou qualquer outra atividade que requeira o espaço que a rua oferece, em geral, têm sido praticadas em locais fechados, como clubes e parques, e sempre em companhia de adultos. Do jeito que a vida está, a rua não tem sido lugar bom para criança. Há ainda uma outra característica da vida moderna. Casas e apartamentos ficaram menores: varanda, quintal ou jardim são privilégio de poucos. Acontece que as crianças, mesmo com hábitos e brinquedos diferentes, ainda exigem espaço para expandir o corpo e experimentar movimentos. Para os que escolheram -ou não tiveram outra escolha- morar em apartamento, considerando inclusive a segurança dos filhos, resta uma possibilidade: procurar prédios que tenham espaço destinado ao lazer.
Uma leitora, mãe de dois filhos, escreveu contando o que ocorre no prédio onde mora. Como não se trata de um fato isolado, escolhi esse assunto como motivo de nossa conversa de hoje. Pois bem: o prédio onde ela reside colocou todo tipo de regra para restringir a vida da criançada na área comum.
Na rampa interna da garagem para o subsolo, que logo as crianças descobriram ser um excelente espaço para praticar skate, foi proibida a atividade por causa do trânsito dos carros. No imenso jardim que o condomínio construiu, elas não podem jogar bola porque estraga a grama e suja o muro. Aliás, depois das 20h, as crianças nem sequer podem descer para a área de lazer porque o barulho que, em geral, provocam perturba os moradores dos andares baixos.
Neste ponto da conversa, bem que eu poderia apontar para os direitos mínimos da criança -como o de brincar e o de conviver com outras crianças, por exemplo- e para a necessidade de ter espaço e tempo para isso. Mas prefiro perguntar por que tem sido difícil garantir isso às crianças.
Uma das causas pode estar no fato de o adulto não abdicar de ocupar ele mesmo todos os espaços. Nossa leitora percebe essa questão quando comenta, por exemplo, que o prédio prioriza os carros e seus donos adultos em vez de se importar com os filhos dos moradores. Ela pergunta por que o prédio não coloca uma placa com um aviso de "Cuidado, crianças brincando" para alertar os motoristas que entram na garagem e permitir, desse modo, a brincadeira da garotada. A resposta é simples: porque o adulto -e sua vida- é o que conta.
Filhos -e alunos também- são a garantia de continuação da vida, ou seja, de futuro. É por isso inclusive que os temos, não é? Só que a presença de crianças no mundo acaba por se tornar incômoda exatamente por esse motivo. Afinal, o mesmo futuro que as espera aponta para o nosso fim. Ceder espaço para a criançada viver significa recuar. E o adulto que vive no mundo contemporâneo tem recusado esse papel.
Um outro bom exemplo de como adultos não cedem o espaço próprio da criança é o que acontece na escola. Pais e professores tomam conta do processo escolar no lugar de filhos e alunos. Bilhetes, reuniões, entrevistas, plantões para pais, tudo isso mostra o quanto o papel dos mais jovens tem sido protagonizado, indevidamente, pelos adultos.
A leitora que enviou a carta de hoje pergunta, no final de sua mensagem, se vale a pena lutar pelos direitos dos filhos de ter espaço no condomínio ou se isso seria apenas capricho de uma mãe zelosa. Batalhar pelo espaço dos mais novos -e não apenas nos prédios- é um ato de coerência. Permitir que a vida se manifeste no presente é um modo de aceitar o futuro, afinal.


Folha de São Paulo

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