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O universo de Julio Cortázar em filmes raros


Publicado pelo jornal O Estado de S.Paulo 24/09/2004

(Luiz Zanin Oricchio
A prosa inquietante de Julio Cortázar se deu muito bem no cinema. Mas pouco de fato se conhece no Brasil dos filmes saídos de sua obra. O ciclo Cortázar, Cinema e Literatura, que começa amanhã no CineSesc, vem, em parte, suprir essa deficiência. Sim, porque, ao lado dos títulos mais conhecidos, como Blow Up - Depois Daquele Beijo, de Michelangelo Antonioni, e do brasileiro A Hora Mágica, de Guilherme de Almeida Prado, traz também alguns exemplares da série de adaptações de Manuel Antín, cineasta argentino que se propôs um diálogo em profundidade com a obra do escritor: La Cifra Impar, Circe e Intimidad de los Parques, todos, salvo engano, inéditos no País.
A retrospectiva traz ainda o belo documentário Cortázar, de Tristan Bauer, e um ciclo de conferências com especialistas como Davi Arrigucci Jr., Leyla Perrone-Moisés e Cleusa Passos - todos da Universidade de São Paulo.
Arrigucci tem sua trajetória intelectual há muito ligada a Cortázar. Em 1973 publicou um estudo, depois reeditado em 1995, que se tornou referência na leitura da obra do escritor - O Escorpião Encalacrado. O livro foi lido pelo próprio Cortázar, que o considerou a mais completa interpretação de sua obra.
Completa até certo ponto, porém nunca definitiva pois, como sabem seus leitores, não existe obra mais "aberta" do que a do argentino Julio Cortázar, morto em 1984. Obra múltipla, dissonante, polifônica. Por isso, tanto inclinada a adaptações quanto difícil de ser vertida para outro meio como o cinema. A ambigüidade estimula a imaginação do cineasta e o libera para expor sua "leitura" pessoal da obra. Ao mesmo tempo, como Cortázar trabalha muito rente à linguagem, propõe sempre um desafio ao realizador que deseja transpô-lo em imagens.
Nesse sentido, talvez as melhores versões sejam aquelas que mais liberdade tomam em relação aos originais. A versão, digamos, exemplar, é Blow Up, de Michelangelo Antonioni, inspirada no conto As Babas do Diabo, do livro As Armas Secretas. De Cortázar, Antonioni tira quase somente a idéia central de que a realidade é fruto de uma construção, não se dá de imediato aos sentidos, e, vista de mais perto, pode apresentar fissuras e surpresas, algumas assustadoras. Assim, no filme, um fotógrafo amplia fotos que tirou num parque, em aparência inocentes, e descobre um assassinato.
Também Cambio de Luces, do livro Alguien Que Anda por Ahí, foi adaptado com toda a criatividade pelo brasileiro Guilherme de Almeida Prado, que rebatizou o relato de A Hora Mágica. No original, o personagem tenta alterar a percepção que tem de uma certa pessoa mudando a posição das luzes no ambiente. No filme, trabalha-se também com essa alteração da percepção mas em outras bases - e o diretor faz um comentário adicional sobre a mudança da era do rádio para a da TV no Brasil.
Da série de Manuel Antín, La Cifra Impar é, provavelmente, o mais bem sucedido. Baseado no conto Cartas de Mamãe, de As Armas Secretas, trabalha com tempos alternados, como o próprio relato da história original dos dois irmãos que se apaixonam pela mesma mulher. Ela se decide por um, o outro morre, e o casal vai morar em Paris, talvez perseguido pela culpa. A realização de Antín lembra a de Alain Resnais em O Ano Passado em Marienbad e Hiroshima, Meu Amor mas ele nega a influência. Diz, pelo contrário, que os franceses, sim, confessaram ser influenciados pela literatura fantástica argentina.
Circe, do conto homônimo de Bestiário, evoca o temor do homem em relação ao universo feminino, mas fala também de uma obsessão alimentar de Cortázar, que ele procurava exorcizar por meio da escrita. E Intimidad de los Parques funde dois contos, o que dá título ao filme e O Ídolo das Cíclades, transpondo a ação da Grécia, como está no original, para Machu Picchu, no Peru. São trabalhos interessantes, preservam o tom perturbador dos originais, mas às vezes se servem demais da narrativa em off - recurso extremo quando se trata de aproximar o cinema da literatura, quando na verdade, o desafio maior talvez fosse colocar distância e não encurtá-la.


O Estado de S.Paulo

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