Filhos: as diferenças entre pobres e ricas de SP |
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Publicado pelo jornal O Estado de S.Paulo 26/10/2004 |
(Roldão Arruda e Gabriella Sandoval)
Na região de Pinheiros, onde se concentram bairros de classe média da zona oeste de São Paulo, as mulheres não têm pressa para engravidar. As maiores taxas de fecundidade ali estão na faixa dos 30 aos 34 anos - o que confirma a idéia de que os estudos e a consolidação da carreira freqüentemente antecedem a maternidade. Em Guaianases, região pobre no extremo da zona leste, o cenário é muito diferente: as taxas mais elevadas são encontradas entre meninas de 15 a 20 anos.
Qual a explicação para essa diferença? A resposta mais comum relaciona a gravidez precoce de meninas pobres à falta de informações e de acesso a métodos anticoncepcionais. Pode ser adequada para os bolsões de miséria que persistem no País. Mas está perdendo validade nas áreas de grande concentração urbana. É o que indica estudo recém concluído na região metropolitana de São Paulo. Ele mostra que, embora os pobres tenham demorado mais para ter acesso e aderir ao controle de natalidade, hoje são quase tão bons no seu uso quanto os ricos.
O estudo, de demógrafos da Fundação Sistema Estadual de Análises de Dados (Seade), comparou a taxa de fecundidade - o número de filhos por mulher - dos bairros ricos com a dos pobres. Em 2002 ela era 1,8 entre mulheres de famílias abastadas e de 2,3 entre as mais pobres. É uma diferença relativamente pequena em termos demográficos e insuficiente para sustentar a idéia de que reina o descontrole demográfico no meio dos pobres.
Os números, obtidos no cruzamento de dados da Pesquisa de Estatísticas Vitais do Estado, confirmam que nos bairros pobres a quantidade de meninas que engravidam ainda na adolescência é muito mais elevada que entre os ricos. Mas pára por aí. A revelação importante de fato é que a gravidez precoce não dá início, necessariamente, a uma prole imensa. As meninas pobres conhecem os métodos anticoncepcionais e param de engravidar quando querem. Terão um, dois ou três filhos - como as dos bairros ricos, com a diferença de que estas chegam mais tarde à maternidade.
Na opinião dos demógrafos do Seade, está na hora de rever o debate sobre o assunto, sob o risco de se adotar políticas públicas erradas. "Ampliar e facilitar o acesso aos métodos anticoncepcionais entre as comunidades carentes é importante, mas não é mais a questão principal", observa a coordenadora do estudo, Lúcia Yazaki. "Trata-se agora de encontrar maneiras de levá-las a utilizar métodos que já conhecem e que estão ao seu alcance."
A solução mais eficaz não envolve só postos de saúde. Segundo Lúcia, engloba políticas econômicas e sociais. "Em bairros absolutamente carentes, é mais difícil motivar as meninas para o uso de anticoncepcionais. Não adianta entregar a pílula na mão de uma garota que não tem perspectiva de futuro e vê na gravidez uma das poucas oportunidades de mudar algo em sua vida."
O cruzamento de dados comprovou que quanto mais se eleva o grau de escolaridade e se ampliam as perspectivas profissionais, mais elas adiam a maternidade. A taxa de fecundidade entre meninas de 15 a 19 anos com 8 anos de estudo ou mais é 0,04. Na mesma faixa etária com menos de quatro anos de estudos, o índice é três vezes maior - 0,12.
A gravidez precoce contribui para perpetuar os ciclos de reprodução da pobreza, como explica Lúcia: "Muitas adolescentes grávidas abandonam os estudos. Ficam numa situação ainda mais vulnerável, com menos perspectivas profissionais."
No fundo, o que os demógrafos sugerem é que não se discuta só formas de divulgar métodos anticoncepcionais, mas também de como quebrar os ciclos da pobreza. Segundo Lúcia, alguns governos já começaram a desenvolver trabalhos nessa direção. Mas é preciso ir muito além.
O Estado de S.Paulo
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