Marlui Miranda constrói ponte entre povos |
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Publicado pelo jornal O Estado de S.Paulo 27/01/2005 |
(Ubiratan Brasil)
Se há alguma qualidade da cantora e compositora Marlui Miranda que se sobressai, essa é a persistência. Há quase 30 anos ela pesquisa as linguagens musicais dos indígenas brasileiros e, apesar de a kafkiana burocracia brasileira oferecer todos os tipos de obstáculos, Marlui não desiste. Em 1994, montou o primeiro espetáculo da série Ihu (a palavra tupi para som, que se refere não apenas ao que se ouve, mas também ao que produz o som e à compreensão do som). Agora, com apoio do Sesc, ela apresenta, de amanhã (sexta) a domingo, Ponte entre Povos, evento que traz espetáculo musical unindo composições indígenas e clássicas.
A representação ocorre na moderna unidade Pinheiros e não vai limitar-se ao show musical: como pano de fundo, haverá ainda uma mesa-redonda em que se vai discutir diversidade cultural e direitos autorais e, o que deixará Marlui realmente exultante, o lançamento de um livro com o detalhamento de toda a pesquisa. De quebra, a obra vem com três CDs encartados. "É a consagração de um dos meus trabalhos mais difíceis e cuidadosos", conta Marlui.
Além da cantora, o espetáculo reúne estudantes de música erudita e índios do Amapá (do Oiapoque e do Parque Indígena de Tumucumaque), e a Camerata Atheneum, com direção e cenografia de Walter Neiva. Juntos, vão apresentar desde canções indígenas da região como, em um dos momentos mais esperados, música clássica com a participação dos índios, com seus instrumentos típicos, como na execução da Pequena Serenata Noturna, de Mozart, e a Marcha Triunfal, da Aída, de Verdi. Para esta última, aliás, Marlui promete uma surpresa.
"Apresentamos Mozart para os índios sem falar nada, apenas percebendo a emoção mozartiana", relata ela. "Eles se empolgaram e encontraram sua maneira de navegar na correnteza por onde a música flui." Marlui acredita que os índios encontraram um ponto comum do compositor austríaco com sua música: o pulso orgânico de Mozart, lembrando o tempo dos pés batendo um tambor.
Ao promover a união do indígena ao ocidental, Marlui repete o que já conquistara em pesquisas anteriores, criando um terceiro termo: já não se trata mais de música ocidental. Ou seja, ela não faz exatamente música indígena, embora trabalhe com seus cânones.
A idéia do projeto Ponte entre Povos surgiu em abril de 2001, quando uma apresentação reuniu muitos participantes indígenas. "No mesmo ano, fizemos uma oficina não apenas para cantores indígenas como estudantes da escola de música de Macapá. São pessoas muito interessadas: apesar das enormes distâncias na região, descobri um garoto que tinha aulas de violino por telefone", lembra Marlui.
A partir daí, ela e todos os profissionais envolvidos nas oficinas iniciaram uma meticulosa pesquisa dos sons praticados pelos índios, um trabalho de extrema paciência - chegaram a passar 12 horas desvendando um único canto. Em seguida, com o projeto já recebendo apoio do governo estadual e do Sesc, começou o trabalho de gravação de fragmentos de rituais e de cantos indígenas. O resultado está no volume Ponte entre Povos, à venda no Sesc por R$ 50. Inclusos, os três CDs com as gravações pesquisadas.
"Como não se trata de um repertório de domínio público, todas as músicas foram registradas na Biblioteca Nacional", conta Marlui, justificando aí a realização da mesa-redonda sobre diversidade cultural e direitos autorais. "Acima de tudo, quero mostrar o que a música pode fazer pela liberdade das pessoas."
O Estado de S.Paulo
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