Imposições demais na vida da mulher |
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Artigo de Rosely Sayão na Folha de S.Paulo 03/03/2005 |
No dia 25 de fevereiro, duas frases de uma reportagem na Folha me chamaram a atenção. "'Sobram' 4,3 milhões de mulheres no Brasil" foi o título do texto principal e "Homem ganha mais e estuda menos", a chamada de um outro texto na mesma página. Quer dizer: as mulheres são a maioria da população brasileira e estudam por mais tempo, mas, com uma rápida e superficial observação constata-se que elas ganham menos porque não ocupam as funções mais decisivas na sociedade. Qual a proporção de mulheres e homens na política, nos cargos de direção empresarial, nos ministérios e nas secretarias estaduais e municipais, por exemplo?
Já que estamos perto de 8 de março (Dia Internacional da Mulher), nada melhor do que uma boa conversa a respeito do tema, não é mesmo? Podemos começar pensando no estilo de vida a que a mulher contemporânea está submetida. Vamos reconhecer: há imposições em demasia, sutil ou claramente expressas, que determinam os rumos da vida dela.
Em primeiro lugar, há a questão da aparência. A mulher tem de modelar o corpo seja para conservar sua forma original já abençoada pela genética, seja para retificá-la. Além disso, tem de fazer todos os esforços para dissimular o inexorável envelhecimento. O imperativo da juventude pesa também sobre os homens, não vamos negar, mas que é bem mais forte para as mulheres, isso é.
Paralelamente, existe a questão da saúde, que é tomada quase como uma religião. Como seus preceitos servem também para ajudar a conservar a juventude do corpo -em alguns casos, até a ressuscitar- e a adiar o envelhecimento, as mulheres passam a ter o dever moral de resistir à tentação de pecar. Comer pouco e regularmente -de preferência de três em três horas-, abolir determinados tipos de alimento e evitar outros, exercitar-se com freqüência -seis dias na semana e só descansar no sétimo- são apenas algumas das medidas que devem ser adotadas. Quando não, a mulher enche-se de culpa por sentir-se em estado de pecado.
E os pecados da alma? O estresse, a tristeza e o desespero provocados por acontecimentos inevitáveis da vida, o cansaço resultante de múltiplas e exaustivas atividades, os medos de encarar e enfrentar as vicissitudes da existência na atualidade, a ansiedade dos vínculos afetivos das relações em que está imersa, tudo isso precisa ser devidamente contido e controlado. Afinal, os outros não devem testemunhar as fragilidades e as inseguranças da mulher. Nem ela mesma pode reconhecer que os problemas existenciais comuns da vida, apesar de não impedirem que esta seja bem vivida, são bem ásperos. Para tanto, a mulher conta, com a maior facilidade, com o apoio farmacológico e médico. Essa é uma das maneiras que a mulher tem para economizar o mal-estar da vida, afinal.
Já parece muito, mas tem mais: a mulher ainda tem de dar conta da identidade social a ela destinada. Para ser reconhecida e sentir-se realizada, ela deve perseguir êxito profissional, independência e sucesso financeiro, vida pessoal equilibrada, relações afetivas e amorosas satisfatórias e duradouras e vida sexual ativa, prazerosa e sem percalços -e tudo isso enquanto busca também constituir família, ter filhos e educá-los.
Com tantas expectativas e obrigações, a mulher padece de uma ansiedade sem fim por sentir -o que é legítimo- que não está à altura do papel que lhe cabe. E isso, em geral, cai sobre companheiros, filhos, colegas, amigos, além de servir de alimento eterno para uma culpa indefinida e onipresente.
Talvez seja preciso reconhecer os limites e as fragilidades da vida não apenas feminina mas humana para a mulher conseguir caminhar um pouco mais rumo à sua liberdade.
Folha de S.Paulo
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