Frases
"É um sintoma
social interessante de que "violência pode em
qualquer lugar, menos na escola!"
"As questões
escolares são questões de educadores."
"Temos de ensinar
as pessoas a serem melhores."
"Deveríamos
acreditar mais que o conhecimento salva o mundo, mas nós
achamos que tudo conspira contra."
"Alguém sem
uma boa escolaridade não participa, de fato, do mundo
contemporâneo."
"Tratar o outro com
dignidade é ser professor."
ENTREVISTA

Na sua opinião, está
aumentando a violência dentro das escolas nos
últimos tempos?
Aquino: Dizer que não é ir contra
as evidências concretas. Dizer que sim é
aderir imediatamente a essas evidências. É
uma pergunta complicada porque eu tenderia a responder
'sim' e 'não'!
'Sim' do ponto de vista da visibilidade. Está
aumentando a visibilidade dessas ocorrências
violentas em escolas.
'Não' porque elas sempre existiram, de uma
maneira ou de outra, e sempre foram administradas,
de uma maneira ou de outra.
A questão é que hoje não acreditamos
mais que essas questões possam ser administradas
no interior da escola. Por isso essa explosão
na mídia.

Você acha então que a
violência é um fenômeno de mídia?
Vou levantar uma hipótese absolutamente arriscada
e temerária: os surtos de violência escolar
aparecem, em geral, em meados do primeiro semestre
que, do ponto de vista das notícias, é
um tempo 'morno'.
É muito curioso. Esse tema sempre volta a
ser comentado em abril, maio, junho. Nos últimos
tempos, tenho sido convidado a me posicionar com relação
a isso.
Ou só acontecem conflitos violentos nas escolas
em meados do primeiro semestre ou é quando
esse tema ganha visibilidade na mídia. Paradoxalmente
é um tempo morno na mídia.
A violência escolar parece que "apimenta",
vende bem.
Se por um lado há sensacionalismo e uma irresponsabilidade
dessa divulgação do pânico, por
outro, é um sintoma social interessante de
que "violência pode em qualquer lugar,
menos na escola!".
Esse horror social em relação à
violência nas escolas é um termômetro
que mostra que "pode ter violência em todos
os outros lugares - e nós vivemos em uma das
sociedades mais truculentas do planeta -, mas na escola,
não pode!"

Em se tratando da violência,
a escola tornou-se uma espécie de lugar 'sagrado'?
De fato é um espaço sagrado. Sabemos
que a escola é a ante-sala da democracia. Sem
escola não tem democracia que se sustente.
Isso é uma coisa que todas as classes sociais
sabem de uma maneira ou de outra: escola é
passaporte para a cidadania, passaporte para uma vida
digna.
Não tem saída sem escola. É
por isso que a escola, de uma maneira ou de outra,
é o lugar ainda onde há a maior esperança
civil.
Todo mundo gosta de estar na escola, inclusive as
crianças e os jovens. Eles adoram ir para a
escola. Detestam é ir para a sala de aula.
99% das crianças e jovens adoram estar na escola.
É um lugar que, de uma forma ou de outra, eles
têm o espaço garantido.
O Estado só comparece na vida do cidadão
de duas maneiras: escola ou polícia.
O direito a freqüentar escolas está garantido.
Atendemos a quase toda população escolar.
O problema é que garantimos o direito a freqüentar
a escola, mas não ainda o direito à
educação. Isso está em processo.

Você acha que a escola, hoje,
pode administrar a questão da violência?
Não só pode como deve. As questões
escolares são questões de educadores.
O dia que abandonarmos os dilemas escolares em favor
da polícia, do médico, do psicólogo,
do advogado, a gente derrocou com isso a idéia
da educação.
Porque onde houver educadores de fato, não
precisa ter polícia, nem médico, nem
psicólogo. Essa é uma idéia preciosa.
A gente sempre acredita que a redenção
da escola vem de fora, nunca de dentro.

A solução, então,
passa pelo papel do professor?
A solução da questão da violência
na vida, e não só nas escolas, reside
em uma única coisa: no conhecimento, na possibilidade
de as pessoas terem uma vida mediada pela experiência
de nossos antepassados - e isso se chama conhecimento.
Se a escola não é o lugar do conhecimento,
qual é este lugar?
Não só a questão da violência
mas também como todas as questões inquietantes
do mundo contemporâneo.
Vamos pegar a questão do uso e abuso de drogas
ilícitas. Isso aponta para a escola. Vamos
pegar os cuidados em relação ao sexo.
Isso precisa ser ensinado. Aponta para a escola.
A questão da ecologia, do cuidado com o mundo,
para que exista mundo para as próximas gerações.
Isso aponta para escola. Isso que é o que se
chama de temas transversais.
Esses temas devem e podem ser problematizados: a
cultura da paz, do gosto pelo convívio, que
é uma das premissas da idéia de democracia.
Aqui cabe uma ressalva: isso não passa pela
escola. Isso é matéria de trabalho escolar.
A gente tem de fazer isso pela via do conhecimento.
Colocar a matemática a serviço disso.
Nossa tarefa fundamental é colocar a matemática,
ciências, artes, humanidades a serviço
disso.
Temos de ensinar as pessoas a serem melhores.
Se você não acreditar que a escola pode
tornar as pessoas melhores, não seja educador.
Pois, isso tudo está encarnado na figura do
educador. Escolas são os seus profissionais.
Ponto final.

E quando não há condições
estruturais, como salas devidamente aparelhadas, segurança
na escola, por exemplo? O professor tem condições
de superar a falta dessas condições?
Um bom projeto pedagógico arregimenta o grupo
em torno de um trabalho interessante. Não se
trata de dizer que essas questões assombram
só aos professores, ou melhor, aos profissionais
de educação - englobando desde o secretário
da Educação até o bedel da escola.
É uma questão que tem a ver com todos.
Questões das condições de trabalho,
sociais, culturais, econômicas e políticas
têm lugar no cenário escolar.
Essas questões em torno da profissão,
vamos chamar assim, não podem ser as responsáveis
pela falência da profissão. Porque essas
questões rondam todos os profissionais, de
todas as profissões. Por que somente entre
nós, da Educação, que essas questões
se transformam em impossibilidade?
O que nos outros lugares é desafio, aqui é
dificuldade, impossibilidade, obstáculo.
Isso exige da gente, dos profissionais da educação,
uma outra visibilidade sobre a própria profissão
mais interessante, mais plástica, mais aberta,
mais esperançosa.
Não se trata de negar as condições,
mas de problematizá-las.

Certa vez você disse que escola
onde entra o conhecimento, não entra droga.
É por aí?
Eu acho! Escola onde tem prazer de viver - e isso
você vê na cara dos professores, dos alunos
- é um lugar onde a idéia do conhecimento
impera. Se imperam outras questões - violência,
drogas, seja lá o que for - de alguma maneira,
o bom da vida está abafado, nublado.
A gente só tem uma arma na mão. Deveríamos
acreditar mais que o conhecimento salva o mundo, mas
nós achamos que tudo conspira contra.
Aquilo que conspira a favor do mundo, de uma boa
vida, é o que temos nas escolas a preço
de banana. Está lá todo dia. É
o nosso metier.
Esse é o ofício do professor: o gosto
pelo conhecimento que é aquilo que engedra
o gosto pela vida.
Veja duas pessoas ao final de suas vidas: uma com
escolaridade e outra sem para ver o que aconteceu
com elas, com o corpo delas.

Como vencer a resistência dos
alunos?
Você acha que os alunos são resistentes?
Os alunos são absolutamente porosos para o
que quer que você faça.
Se der lavagem, eles comem lavagem. Se der um banquete,
eles comerão um banquete.
A gente deveria parar de pensar nos alunos e pensar
mais na gente. Não tomar o aluno como problema.
Não acredito que haja resistência de
nenhuma ordem por parte dos alunos. Qualquer um que
for a uma escola e perguntar ao aluno mais bandido
qual é a imagem de professor que ele tem, ele
vai falar de um cara que goste de estar lá,
fazendo o que está fazendo, que o trate com
respeito.
Porque escola é um lugar bom! Tão bom
que eles não saem de lá.

Você já afirmou que a
violência é um problema de ética...
É claro. Sem dúvida nenhuma. Ninguém
é violento de véspera. Ninguém
nasce violento. A violência em geral é
uma resposta a um conjunto de humilhações,
silenciosas, que ocorrem todos os dias.
Agora tem um senão. Não se pode confundir
violência com indisciplina, nem com incivilidade.
São três âmbitos diferentes.
A indisciplina, em geral, é um protesto.
A incivilidade tem a ver com a idéia de rebeldia,
de uma recusa, de uma descortesia, quando se rompem
as regras de cortesias clássicas. Isso não
é violência.
Violência tem a ver com danifinicação,
com depredação quer da integridade física,
quer da integridade moral do outro.
A violência simbólica, a da danificação
moral do outro, é uma coisa que está
solta nas escolas. Sempre desconfiamos que o outro
não seja capaz ou digno de estar lá,
que faça parte de fato do espaço escolar.
Temos um dilema terrível que é o seguinte:
escolas públicas que entendem seu trabalho
como esmola, como donativo para pobre, e escolas privadas
que entendem seu trabalho como negócio para
rico. Nem uma, nem outra é escola. Escola é
um bem público sempre. Público na acepção
mais bonita do termo.
É um direito das novas gerações.
Sem ela, não há vida. Não há
possibilidade de participação na cidade
contemporânea, por isso a história da
cidadania. Alguém sem uma boa escolaridade
não participa, de fato, do mundo contemporâneo.
Ou participa pela metade.

E como ensinar cidadania na sala de
aula?
Como ensinar? Sendo. Fazendo. Sendo em ato. Tratando
o outro como ele merece ser tratado, com respeito
e com dignidade. Tratar o outro com dignidade é
ser professor.
Então, que diretores dirijam, que coordenadores
coordenem e que professores profecem para que os alunos
estudem. É só isso que a gente tem de
fazer acontecer.
Esta é a tarefa política fundamental
de qualquer educador: fazer com que as escolas funcionem
na sua carga máxima, a todo vapor.

Você tem uma mensagem para passar
aos professores da rede?
Acho que a pior das violências é aquela
onde você se violenta, violenta a si mesmo.
Acho que cada profissional da educação
desse País precisaria repensar se gosta de
estar fazendo aquilo. Porque isso é condição
sine qua non. É o grau zero da profissão
sem a qual não tem saída.
Essa é a primeira questão porque se
eu estiver me violentando sendo profissional da educação,
hoje, é melhor fazer outra coisa.
Num segundo momento, é perguntar se você
está disposto a dialogar com as crianças
e com os jovens porque eu creio, penso e julgo que
elas estão dispostas.
O que constitui a vida dessas pessoas é essa
disposição para o diálogo com
o mais velho, com as velhas gerações.
Será que nós estamos?
Olhar com desesperança para as novas gerações
é romper a idéia basal, o pacto mínimo,
de qualquer educação, de qualquer povo,
em qualquer tempo: que é cuidar sem trégua.
Cuidar, cuidar, cuidar dos mais novos. Eu acho que
a violência é um aviso que isso não
está acontecendo.
Marcelo Tamada